24 de dezembro de 2013

Perdendo o juízo

Decidiu comprometer-se com estudos... desprezando amizades, amores, sentimentos. Ele sabia que para ser bem sucedido teria de fazer sacrifícios.
- Mas não dessa forma - retorquia-lhe deus de vez em quando.
- Então como, senhor? Diz-me como! Não és tu que tens um livro que fala de pecados e que ordena os pobres mortais, teus filhos, a sacrificarem-se pela santidade? Hem?!
O estudante encontrava-se num redemoínho de loucura, onde só o marranço interessava.
- Mas tens de ter um meio termo, meu filho - respondeu-lhe deus com a sua complacência - não te quero ver de cabeça perdida. Faz uma pausa.
- Uma pausa? E se o exame me correr mal? Pagas-me tu a pausa? Que raio de deus és tu? E já agora para que serves? Sai da minha imaginação! Raios! - passava-se o jovem, levando as mãos à cabeça.
- Tu é que me chamaste. Solta-me e eu vou, se quiseres - replicava-lhe deus com soberba calma.
- Sei lá eu o que quero - levantando a cabeça e olhando o céu - quero que venhas cá abaixo e me enfrentes na realidade. Quero ver-te!
- Muito bem - consentiu deus - então cria-me!
O jovem acalmou repentinamente e ficou breves segundos impávido com aquela sugestão:
- Crio-te? Como assim?
- Da mesma maneira que me ouves, ora. Faz por me ver.
- Como? - começava o jovem agora a interessar-se - Como é que eu faço isso?
- Não sei... Como é que me ouves?
- Sei lá! Tu é que és deus! Diz-me tu porque te ouço! - e aguardou a resposta.
- Porque a voz não tem rosto, e portanto imaginas-me a falar contigo. Ah, mas criar imagem não é tão fácil, pois não? E como tal não me vês. Ou pensas que não me vês...
- Pois então estou a olhar para tudo o que me rodeia e não vejo ninguém! - desafiou o jovem - E agora, onde estás?
- Posso ser essa árvore à tua frente, se quiseres.
O rapaz observou a árvore com desconfiança:
- Conheço esta árvore há anos. Não és tu de certeza!
- E esta voz que pensas ser minha? É?
- Deve ser, né? Se estás a falar comigo...! - certificava-se o jovem.
- Pois eu digo-te que tanto é a voz que ouves como a árvore que vês. Tanto é o perfume que cheiras como as palavras que ditas. O próximo como tu próprio.
Passados alguns segundos para que o jovem pudesse entranhar aquela ideia:
- Então não és nada... só porque eu quero!
- Então está bem, não sou. Portanto volta ao estudo que já descansaste o suficiente!
- Querias tu! Se não és nada eu é que sei! Agora vou passear e desanuviar um bocadinho!
Enquanto o jovem se afasta, um coelho aproxima-se da árvore e, sorrindo, diz-lhe:
- Consegues sempre acalmar as almas dos humanos, hem?

6 comentários:

  1. Nada vemos, mas tudo podemos sentir! Gostei deste conto filosófico!

    r: Tens toda a razão no que disseste, foi uma psicóloga que me disse aquilo. Mas sinceramente nunca me esforcei por aprender a ser diferente do que sou. Posso sofrer por vezes, é verdade, mas quem não sofre?

    Tem um excelente natal, junto de quem mais amas! Beijinhos.

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  2. Really enjoyed reading this! A Very Merry Christmas ;o)

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  3. Um diálogo bem real...

    beijo

    Feliz 2014!

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  4. Passo para requerer à divindade um tempinho melhor.

    Beijo

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